quinta-feira, novembro 25, 2010

Porta-Retrato

Desço aos infernos
Traficando poemas de Drummond.
Algum rosto se ilumina com o fogo
Queimando um sorriso indeciso.

Ninguém tem culpa da vida
Que guardei nos porta-retratos
Enquanto outro dia rasga o seu azul
No céu de novidades.

E me resta esse olhar inquieto,
Fingindo poeta.
Apodrecendo qualquer imagem
Em rebeldia de linguagem.

Leleco.

segunda-feira, novembro 22, 2010

O Outro

Uns nos outros
Uns dos outros
Alguns perdidos
Outros cada vez mais raros.

Multiplico almas
E o que resta de mim nos outros?
Apenas um eu
Entre tantos esquecidos.

A pressa do meu fim
No espelho que o outro observa.
E quando eu for ontem
Que outro recordará?

Leleco.

quinta-feira, novembro 18, 2010

Denise, gostava de meninas

Era São Paulo. Noite fria e chuvosa.
Após meia-noite, fui varrido junto com outros bêbados para fora do bar.
"-Ordens do prefeito", ele disse.
Implorei pela quarta dose de vodka (era preciso espantar o frio).
"-Tudo bem, mas vá beber do outro lado da rua", disse o garçom.
Sou resgatado por duas amigas de um amigo num carro preto. Uma era psiquiatra, a outra não sei (ou não lembro).
Fui parar no loft da psiquiatra e sou recebido por um cachorro.
Ela diz: "Ele só entende inglês!"
Pensei, segurando o copo plástico com vodka: "Que diabos estou fazendo aqui? Desde quando cachorro sabe línguas?" Mas preferi me calar...
A psiquiatra estica duas fileiras de pó sobre a mesa enquanto enrola uma nota de vinte reais.
"- Vocês querem?"
"- Não gosto de farinha. Só uso do preto!" - respondo.
"- Ah, tem aqui também!" (A outra mulher vai buscar o baseado enquanto a psiquiatra enfia o nariz no pó).
Era só uma ponta. Acendo assim mesmo e o saboreio (e quase queimo o nariz).
Em seguida, invento uma desculpa e vou embora do loft. Subo, novamente, a Rua Augusta à procura de uma balada rock`n`roll.
Encontro uma chamada : "Astronete". Rockzinho bacana e não estava muito cheio o lugar.
Neste momento, já estou completamente alcoolizado e levemente sob efeito da erva.
Subo numa cadeira, levanto uma cerveja e grito junto com a canção "I wanna be sedated!"
Na fila do banheiro, encontro Denise. Mulher com um sorriso bonito e simpática. Pergunto se o banheiro é coletivo. Ela responde que sim e percebe que eu não sou dali.
"-Você é carioca?", ela pergunta.
"- Sou e não sou!"- respondo.
"- Como assim?"
"- O Rio é minha mulher e Minas é a minha mãe!"
Conversamos por mais alguns minutos e ao ser perguntado o que eu faço, respondo que sou poeta.
Denise pede que eu faça uma poesia para ela.
Respondo que só faço caso ela me convença que merece.
Denise agarra uma menina e arranca um beijo interminável, enquanto eu observo.
Quando elas se afastam, Denise pergunta:
"- E aí, convenci?"
"- Posso mijar antes de você?" - respondo.
Já são mais de quatro da manhã e resolvo ir embora. Desço a Rua Augusta ao encontro do carro.
Ao passar em frente a um puteiro, sou convencido pelo segurança a entrar.
"-Vinte reais + quatro cervejas!", ele diz.
"-Você merece a tal poesia!", respondo.
E entro no puteiro. O lugar é bem escuro e tosco. As putas são horrorosas, algumas faziam apresentações de Pole Dance e outras conversavam com alguns "clientes".
Uma se aproxima e pergunta:
"-Você gostou da dança?"
Digo que sim.
"-Você é do Rio?"
Penso: "- Que merda, todo mundo me pergunta isso!" e balanço a cabeça afirmando.
Ela se afasta ao perceber que eu não queria nada além de observar.
Eu acompanho algumas apresentações das putas penduradas num poste tomando as cervejas que eu tinha direito.
Acendo um cigarro com uma delas e converso banalidades da vida. Enquanto uma outra, que se encontrava drogada, tentava me agredir com palavras. Já eram quase seis da manhã.
Saio de lá com uma única certeza: "Que falta me faz o Rio!"
Volto pra casa e durmo.
Amanhã não se sabe...

Leleco. (Para Henry Charles Bukowski)

terça-feira, novembro 09, 2010

Em órbita

Um dia em Saturno
Só eu e você
Sem gregos e troianos
Se não agora, quando?

Um mês em Marte
Simone de Beauvoir e Sartre
Amores necessários e contingentes
Ou qualquer coisa que ainda seja existente.

Uma semana em Mercúrio
O tempo curando as feridas
Uma canção band-aid
Assoprando a própria mordida.

Leleco.